São Paulo, 20 de Agosto de 2008 – Graduado em arquitetura e profissional de design por vocação, o empresário gaúcho Luciano Deos vibra de alegria com detalhes que, para os leigos, passariam despercebidos. A conexão USB de seu notebook é um exemplo. “Olha aqui”, diz, enquanto aponta para o equipamento. “Tem um imã bem na entrada USB, é diferente do encaixe comum. ? só colocar o cabo perto da entrada e pronto: imã faz funcionar. ? sensacional!”.


Sócio da consultoria em design GAD, fundada no Rio Grande do Sul em 1984 e que atua também em São Paulo desde 2001 – e cujo faturamento em 2008 deve ser de R$ 20 milhões -, Deos cita o exemplo do notebook para demonstrar o grande desafio do setor de design hoje: mostrar que a atividade não é apenas uma ferramenta relacionada ao aspecto estético, como costuma ser associada, mas sim um instrumento que gera inovação e atua no desenvolvimento de produtos.
A grande cartada do setor para firmar essa nova imagem será dada no Brazil Design Week, feira de negócios que será realizada entre os dias 9 e 14 de setembro no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Organizado pela Associação Brasileira de Design (Abedesign), da qual Deos é vice-presidente, o evento está orçado em R$ 2 milhões e reunirá toda a cadeia de negócios da área de design.
Gazeta Mercantil – Como está organizada e quais os objetivos da Brazil Design Week?
O evento surgiu como parte do convênio que temos há dois anos com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), para promoção comercial dos serviços de design no exterior. Percebemos que, para vender nossos serviços em outros países, precisávamos qualificar ainda mais o mercado interno e criar musculatura. O convênio compreende um conjunto de ações no Brasil e no exterior.
Gazeta Mercantil – Essa é a primeira grande ação da parceria?
Sim. Sou vice-presidente da associação e coordeno esse convênio. O objetivo foi desenhar um evento que tivesse um foco diferente dos demais já realizados no setor de design, que geralmente são no formato de bienais. Buscamos uma estrutura que fosse voltada a negócios e que mudasse a dinâmica de relacionamento entre os agentes da cadeia – profissionais de design, a indústria e os agentes de fomento e financiamento. Objetivo é aproximar esses três agentes e mudar a percepção do mercado em relação à contribuição estratégica do design na área de inovação. A expectativa é que esse evento seja um marco para o setor.
Gazeta Mercantil – Por que a necessidade de mudar a percepção do mercado em relação ao design?
A maioria das empresas nacionais ainda vê o design como algo estético, enquanto as multinacionais mais sofisticadas o enxergam como um grande diferencial porque ele gera inovação quando está atrelado à estratégia da corporação. Ao gerar inovação, ele cria valor e diferenciação no mercado. Em resumo, queremos mostrar que design é a grande ferramenta para gerar inovação – e por um custo baixo. A inovação via design é mais barata que aquela proporcionada pela tecnologia. Para dar uma idéia, grandes empresas internacionais têm vice-presidente de design. ? o caso da Nokia, Samsung, Procter & Gamble.
Gazeta Mercantil – Como mudar a percepção do mercado?
Um dos caminhos é divulgar, na Brazil Design Week, grandes casos nacionais e internacionais de companhias que criaram valor por meio da inovação em produtos e serviços. E também mostrar exemplos de empresas nacionais pequenas, porque design não é só para grandes corporações. Um exemplo disso é a Coza, de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, empresa de utilidades plásticas domésticas. Outro maneira de mostrar são os seminários por áreas da indústria, como a moveleira, plásticos, limpeza. Há também fóruns políticos, que discutirão políticas estratégicas de países em relação ao design. Queremos entender como algumas nações trabalham a questão do ponto de vista de estratégia governamental. Estamos trazendo a principal referência mundial no tema, que é a Inglaterra, por meio do British Design Council. Com mais de 50 anos, é o órgão mais relevante no mundo nessa área. Seus representantes vão contar como é a experiência do órgão e como o processo se deu na Inglaterra. Traremos também o Korea Institute of Design Promotion, que é o órgão coreano. Assim, traremos um país que trabalha a questão do design há muito tempo, desde o pós-guerra, e um mercado emergente, a Coréia, que deu uma arrancada impressionante nos últimos dez anos. Basta ver os exemplos de Hyundai, Samsung, LG. Como elas saíram de um contexto de mão de obra barata, produção de itens simples, de baixo custo e começam a criar valor por meio do design e inovação? Discutiremos também o caso da Espanha, que é um emergente do velho continente.
Gazeta Mercantil – Pode explicar melhor como o design pode ser alvo uma estratégia governamental ?
Tem tudo a ver com a estratégia de desenvolvimento do País. A Coréia tem uma política de eleger os grandes grupos e os principais setores para se tornarem grandes multinacionais. Nesses casos, as companhias estabelecem uma estratégia de negócios – capacidade de produção, comercialização em diversos países, inserção da tecnologia. Ou seja, primeiro eles ingressam no mercado com baixo preço. Depois passa a criar valor por meio da marca, inovação e design. ? o que a China vai fazer também. Por enquanto China não vende marca e nem valor. Ela vende preço. Mas já iniciou o desafio de construir marca. A Coréia está um passo adiante, já fez isso com algumas marcas. Basta relembrar qual era a percepção de marca que tínhamos da Coréia há 10 anos. Um dos fóruns do congresso vai discutir só políticas de fomento. Isso porque todo dia lemos notícias de que existem recursos para isso e para aquilo, mas, na prática, não vemos as empresas obtendo verba para inovação e desenvolvimento de produtos. Pretendemos colocar todos os organismos que dizem que têm linhas de crédito para um debate que deixe claro os caminhos. Essas instituições também estarão presentes.
Gazeta Mercantil – Por que o design deve ser visto como algo estratégico para uma companhia?
Quando o assunto é design, pensamos em um instrumento para transformar as estratégias de negócios em produtos e serviços. A premissa do design é ser uma forma de projetar que contempla uma visão multidisciplinar orientada para o consumidor e para a inovação. ? o design como processo, metodologia.
Gazeta Mercantil – Qual a contribuição da feira de negócios para a organização das empresas do setor?
Não tem como uma indústria crescer se não houver inteligência e maturidade. Ninguém faz nada sozinho. Não se pode enxergar o outro como concorrente, todo mundo é aliado. Está na hora de o setor se organizar e pensar de forma madura. E nossa indústria é um pouco cética em relação a isso. Por isso temos dificuldade em obter patrocínio da iniciativa privada para o evento. As empresas embarcam depois que o projeto acontece e vira sucesso. Mas digo nesses caso que, se não tivermos no setor empresas com departamentos de recursos humanos, comunicação e consultoria competentes, não teremos um mercado forte. Todo mundo precisa se ajudar nesse sentido.
Gazeta Mercantil – Como o senhor define o segmento de design hoje?
Esse segmento tem um perfil hoje profundamente multidisciplinar. Exige pessoas que tenham cultura de investigação e observação, visão de produto, varejo, inteligência em marketing e comunicação. Durante muito tempo estivemos preocupados em dizer para as companhias como elas deveriam fazer algo, a partir de suas demandas. O desafio hoje é ajudar as empresas a definirem suas demandas. A questão não é mais pensar em como as empresas fazem algo, mas sim o que elas fazem. Nosso trabalho é fundamentalmente de consultoria.
Gazeta Mercantil – Um dos setores que investem muito em design é o de celulares. Neste caso, o design combina o aspecto estético, que é fundamental para esse segmento, com o estudo das funcionalidades do produto?
O trabalho envolve estética e funcionalidades. O design necessariamente passa pela questão da funcionalidade, interface, meios para facilitar o uso. Vou citar um exemplo que não é celular, mas serve. Possuo um iMac, notebook da Apple. A entrada USB do equipamento tem um imã que possibilita o encaixe no notebook. Isso me faz lembrar daquele ditado “Deus está nos detalhes”. Todo dia acoplo essa USB com imã no notebook e sinto o maior prazer. Imagina o cara que projetou isso? Pode ser que ele tenha pensado nisso para baixar custo, não sei. ? um exemplo da utilização do design para facilitar o uso pelo consumidor, melhorar a funcionalidade do produto.
(Gazeta Mercantil/Caderno C – Pág. 1)
(Clayton Melo)

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